quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

RESUMO LEI MARIA DA PENHA - PARTE II

A AUTORIDADE POLICIAL E A LEI MARIA DA PENHA

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; ADVERTÊNCIA:  o §3º do artigo diz que laudos ou prontuarios fornecidos por hospitais ou postos de saúde servem como meio de prova, podendo substituir laudo pericial formal
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; 
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público - aqui aplica-se o prazo do art. 10, CPP (10 dias para indiciado preso e 30 dias para indiciado solto)
O rol acima é exemplificativo!


APLICAÇÃO CPP, CPC, ECA e Estatuto de Idoso

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei. CONCLUSÃO: a lei maria da penha forma um verdadeiro microssistema protetivo da mulher.


JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Legislador previu a criação de órgão judicial próprio para julgar as causas que envolvam violência doméstica - juizados de violência domestica e familiar ´- art.  14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
ADVERTÊNCIA: JECCRIM é diferente de Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, eles NÃO SE CONFUNDEM, até pq a lei 9099 não é aplicável em casos de violência doméstica, nem mesmo nas infrações de menor potencial ofensivo (art. 41 da lei).

DÚVIDA:
E os casos de crimes dolosos contra a vida que envolvam violência doméstica, familiar ou afetiva,  julga o juizado de violência domestica ou o tribunal do juri?  A Lei Maria da Penha não faz distinção das causas, apenas diz que o JVDFM julgará todas, todavia a competência do Tribunal do Júri para julgamento de casos de crimes dolosos contra a vida é definida constitucionalmente (art.5º, XXXVIII, d) devendo ser respeitad. O STJ se colocou no sentido de que a Lei de Organização Judiciaria de cada estado que instituir o referido juizado poderá fazer com que o juizado conheça do crime até a fase da pronúncia (juízo de admissibilidade de acusação), depois os autos sao remetidos ao juiz presidente do tribunal do juri.


FORO DE ELEIÇÃO

Processos cíveis
Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.


Processo penal
Utilizam-se as regras do CPP - a competência será do lugar onde o crime se consumou, salvo nos casos de ação penal privada na qual o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração (art. 73, CPP).


REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA

Quando um crime de ação penal pública condicionada à representação for praticado contra uma mulher no âmbito da violência doméstica é possível a retratação? 

No CP, a pessoa pode se retratar na representação, contudo ela será irretratável após o oferecimento da denúncia (art. 25, CPP e art. 102, CP)
Na Lei Maria da Penha, segundo o art. 16 nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Obs: o artigo 16 usa a palavra "renúncia", contudo é uma atecnia legislativa, uma vez que renunciar quer dizer abrir mao de direito não exercido. No caso de retratação da representação, o direito (à representação) já foi exercido, logo a palavra correta sera "retratação".


AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE/CULPOSA QUANDO HÁ VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Após o advento da lei 9099/95, os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa passaram a exigir representação para o prosseguimento da ação e são julgados nos juizados especiais. E esse mesmos crimes no âmbito da violência doméstica...deverá haver representação para a persecução penal? 

A posição antiga do STJ (por razões de política criminal) era no sentido de ignorar a disposição do art. 41 da lei 11340/2006 (veda a aplicação da lei dos juizados especiais) e exigindo a representação.
O entendimento ATUAL do (STF, ADI 4424) é que a ação penal é pública incondicionada - arts. 12, I art. 16 e 41 - exigir representação seria uma proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado, logo, LESÃO CORPORAL LEVE E CULPOSA SÃO CRIMES DE AÇÃO PENAL PUBLICA INCONDICIONADA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


VEDAÇÃO DE "PENA DE CESTA BÁSICA" OU MULTA ISOLADA

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa


MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (arts. 18 a 24)

Natureza jurídica: provimentos jurisdicionais de urgência, portanto, têm natureza cautelar;

Pressupostos: pela natureza cautelar, exige-se o binômio fumus boni iuris e o periculum in mora. Juiz precisa de cognição sumária - basta a plausibilidade do pedido. O magistrado poderá designar uma audiência de designação prévia (804, CPC).

Procedimento
Principio da jurisdicionalidade: só podem ser decretadas pelo juiz - cláusula de reserva jurisdicional.
Decretação na fase de inquérito deve ocorrer a requerimento do MP ou da ofendida e na fase judicial ex officio ou por provocação. APENAS NA FASE JUDICIAL O JUIZ PODE DECRETAR DE OFICIO.

Podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente inclusive ser substituídas (art. 19, §2º).
Clausula rebus sic standibus - possibilidade de revisão das medidas cautelares (revogação ou nova decretação).
Em caso de indeferimento/revogação de medidade protetiva de urgencia, a lei nao diz qual o recurso, então, socorrendo-se do CPP, deverá ser interposto o  RESE (que não tem efeito suspensivo, o MP poderá entrar com MS para consegui-lo). O réu, por outro lado, em caso de decretação de medida protetiva, a poderá impetrar HC.


 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA QUE OBRIGAM O AGRESSOR

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras - medidas em desfavor do agressor e que dizem respeito a sua pessoa
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (estatuto do desarmamento);
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida - aqui a decisão não pode ser genérica, o magistrado deve dizer quais lugares o agressor não pode frequentar;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar - restringir é limitar a local específico e/ou ordenar que seja supervisionada. Suspender visita é proibir;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios - alimentos provisórios (lei 5478/68) têm natureza de tutela antecipada. Alimentos provisionais são os alimentos ad litem, não têm natureza cautelar. Após executada a medida -  1ª posição: Maria Berenice Dias diz que é medida cautelar satisfativa, não sendo necessária proprositura de ação principal no prazo de 30 dias. 2ª posição: por ser cautelar, nao tem conteúdo satisfativo, seria necessário o ajuizamento da ação principal.

Possibilidade de requisição de força policial - art. 22, §3º   Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

art. 22, § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461, CPC -   medidas de apoio para as obrigações de fazer - intercâmbio legislativo.


MEDIDAS PROTETIVAS EM FAVOR DA OFENDIDA - arts. 23 e 24

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento - depende de políticas públicas de criação desses locais. Caso o estado ou município não ofereça, pode ser impetrada Ação Civil Pública;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos - afastamento da vitima do lar A SEU PEDIDO. Medida satisfativa ou cautelar? Cautelar, devendo ser proposta ação autônoma.
IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida - para uma futura reparação civil nos casos de violência patrimonial.


COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL DOS JVDFM

Competência dos JVDFM - REUNEM DUAS COMPETENCIAS, CÍVEL E CRIMINAL, PARA CONHECER, JULGAR E EXECUTAR OS ASSUNTOS ENVOLVENDO VIOLENCIA DOMESTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (art. 14).

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.


DÚVIDA
Seria o art.33 inconstitucional por ter usurpado competência legislativa dos estados em matéria de organização judiciária ao estabelecer regras de competência de juízo para o julgamento das causas que envolvem violencia domestica? 
O enunciado 86 do encontro de juizes de JECRIMs e Turmas Recursais do RJ reconheceu a inconstitucionalidade do art. 33. O STF, no entanto, declarou a constitucionalidade do referido artigo na ADC 19/DF afirmando que a lei maria da penha nao usurpou competencia alguma, apenas previu a possibilidade de criação dos juizados de violencia domestica (nao obrigou nada), nao interferindo nas leis de organização judiciaria.


INAPLICABILIDADE DA 9099/95

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099 inaplicabilidade da lei 9099/95 nas infrações com violencia domestica - em razão dos institutos despenalizadores.

Obs: a redação do art. 41 fala em CRIMES, mas e nos casos das contravenções penais? seria esse art. 41 aplicavel nos casos de contravenções? sim, por falta de tecnica legislativa, talvez, a redação do artigo saiu dessa forma, porém deve ser entendida como uma vedação que alcança todas as infrações penais (criterio dicotomico de infrações penais - crimes e contravenções).

Duas correntes: 1ª corrente (minoritária) - art. 41 inconstitucional: violação do principio da isonomia. O fato de o crime ser praticado contra a mulher não difere do cometido contra um homem no mesmo contexto de vulnerabilidade. Ex: pai comete crime de maus-tratos contra um filho e uma filha, em relação ao filho será punido de acordo com a 9099, no tocante à filha, pela maria da penha. Aqui, a vitima mulher seria mais protegida que o homem, mesmo ambos estando em situação de vulnerabilidade.  CONSEQUÊNCIAS DA INCONSTITUCIONALIDADE: aplicação dos institutos despenalizadores; representação nas lesões corporais leves e culposas 
2ª corrente (majoritária): constitucionalidade do 41 - não há desproporcionalidade do uso do sexo como critério de diferenciação pra incidência da lei penal, a lei traduz-se em ação afirmativa do estado para buscar isonomia material - historicamente a mulher é vulnerável e a intenção é equilibrar a desigualdade. CONSEQUÊNCIAS: às infrações de menor potencial ofensivo no âmbito da violência domestica, nao se aplica a 9099/95; incabivel o termo circunstanciado, se houver flagrante, lavra-se o auto de prisao em flagrante.


PRISÃO PREVENTIVA E A LEI MARIA DA PENHA

E se a medida protetiva for ignorada pelo agressor? O juiz pode usar a força policial, pode usar o 461, §§5º e 6º, CPC e a possibilidade de ser decretada a prisão preventiva (312, III, CPP).

Dúvida:
BASTA O DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA PROTETIVA OU OS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA DEVEM SER PREENCHIDOS? O STJ decidiu que para decretar a preventiva nesses casos devem estar presentes um de seus fundamentos.


RESUMO LEI 11340/2006 - LEI MARIA DA PENHA - PARTE I

Voltei a tentar usar a internet a favor dos meus estudos. 
Apesar de não faltar vontade de fazer um post com minhas considerações feministas, embasadas com estatísticas e etc sobre o assunto violência doméstica, o que vou colocar aqui - pelo menos agora - será apenas para estudos para concursos e OAB e afins.


LEI MARIA DA PENHA (11340/2006) - PARTE I

 - CONTEXTO DE CRIAÇÃO DA LEI

Caso Maria da Penha Maia Fernandes -  em 29.05.1983, levou um tiro nas costas disparado por seu marido enquanto dormia (como consequencia do disparo Maria ficou paraplégica). Já havia histórico de violência doméstica. Tempos depois sofreu outra tentativa de homicídio quando o marido empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocuta-la no chuveiro.
O agressor foi denunciado em 28.09.1984, mas a condenação só veio 19 anos depois, em setembro de 2002.
Passados mais de 15 anos do crime, apesar de haver duas condenações pelo Tribunal do Júri  não havia uma decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em liberdade, assim Maria da Penha, o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) enviaram o caso à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, recomendando a finalização do processamento penal do responsável da agressão; proceder uma investigação a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes, tudo isso sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, a reparação simbólica e material pelas violações sofridas por Penha por parte do Estado brasileiro por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; e a adoção de políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Após a condenação internacional o Brasil iniciou esforços para a criação de uma lei para proteção da mulher no âmbito da violência doméstica, que só veio em 2006.

 - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

A CRFB/88, em seu art. 226, § 8º, dispõe:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

 - CONVENÇÕES INTERNACIONAIS 

Âmbito mundial:

ONU, 1975 - I Conferencia Mundial sobre a Mulher. Em 1979 a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres e previu a adoção de ações afirmativas no sentido de diminuir a desigualdade de gênero;o BRASIL ADERIU (Dec Legislativo 26/94),  mas só em 2002 houve a incorporação da convenção no nosso sistema jurídico.
Em 1980 ocorreu a II Conferencia sobre a mulher e em 1985 a III Conferencia mundial sobre a mulher - de 75 a 85 aconteceu a Década das Nações Unidas para a Mulher. Em 1993,a Conferência de Direitos Humanos das Ações Unidas para a Mulher a violencia contra mulher é definida com espécie de violação aos direitos humanos.


Âmbito regional:

Assembleia Geral da OEA adotou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Doméstica (conhecida como Convenção de Belém do Pará – 1994, incorporada ao nosso ordenamento pelo Decreto 1.973/96).
Após condenação imposta ao brasil pela CIDH, em 2006 foi editada a lei maria da penha - 11340/2006.

INTERPRETAÇÃO DA LEI

Art. 4o  Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar (lei 11340/2006).

A lei foi editada para proteger mulheres em situação de vulnerabilidade.
Como se caracteriza a vulnerabilidade da mulher, uma vez que  violência doméstica  e familiar, nao é pra todo crime contra a mulher?

A situações de vulnerabilidade da mulher estão descritas no art. 5º, I, II e III.

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.


DÚVIDA: o artigo 5 fala em violência domestica E familiar. É necessário que agressor e vítima sejam parentes? Não! Observando o art. 5º, vê-se que ele prevê 3 situações em que mulheres serão consideradas vulneráveis e nem sempre será exigido o vínculo conjugal ou consanguíneo.

Ambiências da lei  (âmbitos de incidência da lei maria da penha): 
 - âmbito da unidade doméstica: espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar (inciso I);
 - âmbito da família: comunidade formada por aparentados ou que assim se considerem (inciso II);
- relação intima de afeto, independente de coabitação (inciso III).


CONSIDERAÇÕES:

- âmbito da unidade doméstica: não exige vínculo familiar, importa apenas o espaço em que o crime é cometido. Deve ser um espaço de convívio permanente, englobando pessoas esporadicamente agregadas. Ex: empregada doméstica que reside na casa dos empregadores e é agredida por patrão;
- âmbito da família: não importa o local, desde que haja vínculo (que são ou se consideram aparentados). A violência é familiar - vinculo conjugal, parentesco consanguíneo ou por afinidade e o vinculo por vontade expressa (casamento, adoção). Maria Berenice Dias sobre 5º, II afirma que engloba o parentesco socioafetivo (padrasto);
- âmbito de relação íntima de afeto. Duas correntes - 1ª corrente (ampla): abrange qualquer relação estreita entre agente e vítima. 2ª corrente (restrita): relação dotada de conotação sexual ou amorosa. 

DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA: pela convenção de Belém do Pará, violência domestica é a conduta que "tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher". O art.5, III dispensa coabitação - Guilherme Nucci afirma que o 5, III, é inaplicável pq contraria a norma de direito internacional. No entanto, para dirimir o conflito entre norma de direito internacional e norma interna, é necessária a aplicação do princípio pro homine que diz que para resolver esse tipo de antinomia deve prevalecer a norma mais benéfica para a proteção dos direitos humanos O STJ entende dessa forma no julgamento do HC 115.857/MG. 

Relação de namoro aplica Maria da Penha? Depende do caso concreto - se houver nexo entre a conduta criminosa e a relação de intimidade entre agente e vítima e que não seja uma relação esporádica/passageira, aplica a lei, segundo o STJ, CC 100.654/MG.



 FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades - CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA: na parte final do capitulo dos crimes patrimoniais, no Código Penal, existem imunidades penais - escusas absolutórias: o marido que no casamento subtrai dinheiro da esposa responde pelo crime? Há ou não incidência das escusas absolutórias no âmbito da violência doméstica? Duas correntes -  1ª corrente diz que  não incidem, são inaplicaveis no âmbito da violencia domestica. 2ª corrente:  incidem pois se o legislador quisesse afastá-las, teria feito expressamente, assim como fez no estatuto do idoso.
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. ADVERTÊNCIA: Para o direito penal tradicional, violência moral significa grave ameaça. Na maria da penha a ameaça é violência psicológica. aqui violencia moral é tudo que ofende a honra da vitima.


PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DA LEI

a) sujeito passivo qualificado (mulher);
b) prática de qualquer das hipóteses de violência previstas no 7º, I a V;
c) âmbito de cometimento (unidade familiar, unidade domestica, relação intima de afeto) art. 5º I a III.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O CORPO É MEU

Navegando pela internet, me deparei com  a seguinte manchete "Homem é condenado a 7 anos de prisão por beijo forçado no carnaval de Salvador" e pensei "que coisa maravilhosa" Sou meio contra a prisão, acho que a pena privativa de liberdade não leva a nada, mas foi mais pelo significado mesmo. A justiça mostrando que EI, É ERRADO TORNAR O CORPO DA MULHER PÚBLICO! 
O cara foi condenado por estupro. Sim, estupro, que segundo a definição legal - após a "mini reforma" do Código Penal no seu Título IV, antes Crimes Contra os Costumes, após, Crimes Contra a Dignidade Sexual - 

                                    "Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos"

Um beijo não é conjunção carnal (na definição conjunção carnal é pênis/vagina, pênis/ânus), mas com certeza pode ser classificado como "outro ato libidinoso" e o cara foi condenado, afinal, ele FORÇOU o beijo, a uma pena dentro dos limites que a lei impõe - de seis a dez anos - e ainda tem gente achando a condenação injusta. Sem aqui discutir a eficiência do nosso sistema prisional, o que a galera anda comentando, sempre os imbecis dos comentaristas de portal, é absurdo:


Os comentaristas de portal que, sei lá, devem ser uma espécie diferente da humanidade...ou uma subespécie, ainda não sei ao certo, adoram palpitar e bradar principalmente contra a corrupção "senhor juiz vá a Brasília" MOÇO, O QUE TEM A VER??? É pra deixar claro que na nossa sociedade machista o corpo da mulher é público mesmo, absurdo o judiciário fazer isso quando se tem problemas mais importantes???? Só consigo pensar nisso.
A corrupção é grave? Sem dúvidas. Os corruptos devem ser processados e condenados? Certamente. Mas qual a relação com a violência que a vítima sofreu? São coisas distintas.
Outro diz que o Brasil é "mais lixo" que ele imagina """""só"""" pq um cara que foi condenado por ter cometido um crime. O homem cometeu o crime, foi processado, julgado, condenado...está respondendo pela sua conduta de forçar uma mulher a praticar um ato que ela não queria e o país é ruim por isso? Uma hora reclamam de impunidade, outra hora que o homem foi condenado apenas por ter "roubado" um beijo.
MIGOS, QUEM ROUBAR BEIJO VAI SER PROCESSADO POR ESTUPRO SIM. O meu corpo..os nossos corpos, mulheres, não pertencem a ninguém diferente de nós mesmas. 
Sonho com o dia que poderemos andar tranquilas pelas ruas sem medo de sermos estupradas, o dia que poderemos sair à noite desacompanhadas, ir curtir um carnaval sem nenhum idiota nos forçar a fazer o que quer que seja...
Olhando a situação fica nítido como pra maioria das pessoas "roubar um beijo" não é nada, simplesmente pq a mulher estava ali então quer dizer que estava disponível. Olha, ninguém está "disponível" só por estar frequentando lugar X ou Y, dançando, andando, se vestindo de maneira assim ou assada.

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Não bastasse todos os absurdos proferidos, me deparo com a seguinte imagem compartilhada no facebook:




A ideia que as pessoas têm é tão, mas tão errada e já está tão intrínseca no pensamento e no dia-a-dia que nem se dão conta do absurdo que é fazer uma fucking ENQUETE pra saber o que todo mundo acha que deve ser feito com o corpo da mulher. Só quem decide se quer ou não beijar, transar, dançar ou seja-lá-o-que-for é a própria mulher. Meu corpo minhas regras. A opinião pública não importa e nem deveria importar. E ainda tem gente que se pergunta "feminismo pra quê se as mulheres já têm tudo". Pelo visto, não querem nos deixar nem mandar nos nossos próprios corpos. 
Só EU decido o que vou fazer ou deixar. Você, minha amiga, tem autonomia pra decidir sobre o SEU corpo.
O CORPO DA MULHER NÃO É PÚBLICO.

P.S: a conduta é criminosa, então essa enquete ridícula nem faz sentido.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Aceitação

Não me considero uma pessoa super vaidosa, mas também não acho que sou "sem vaidade"..pra algumas coisas mais, pra outras menos, mas (eu acho que) nunca tive problema em admitir, por exemplo, o quanto me considero sortuda por ser magra sem precisar me esforçar pra isso. Barriga reta, retinha. Pneuzinho? N A D A. Manequim 36 com muito orgulho, com muito amor, mas eu nunca precisei fazer nenhum tipo de esforço pra isso. Não controlo alimentação (por isso vira e mexe to atacada de gastrite) e não me exercito (por isso minha resistência é zero e já cheguei a distender músculo tomando banho??), minha genética e/ou metabolismo devem ajudar pra isso. 
Mas não, eu não sou nenhuma linda maravilhosa totalmente dentro dos atuais padrões ocidentais de beleza. Além de ter espinhas no rosto (já fiz muita coisa e nada deu certo, com idade chegou a melhorar, ms perto da menstruação fica terrível), tenho - o mais correto é dizer que não tenho rs -  algo que me incomodava mais: a falta de seios fartos. Como eu sou baixa e magra, ter peitos enormes seria desproporcional, tudo bem, mas são tão pequeninos que por muito tempo eu me sentia realmente incomodada. Na verdade, "incômodo" é eufemismo pra dizer que eu odiava. Muito. E me odiava por isso até pouco tempo. Roupas que eu via e achava lindas e "não vai rolar pq eu não tenho peito pra usar um decote assim". Escolher sutiã...que martírio. Dificílimo achar uns bonitos que sirvam, pq só tem pra tamanhos médio/grande; os que servem perfeitamente são da seção infanto-juvenil; os confortáveis não aumentam o tamanho; os que aumentam o tamanho são caros.
E imaginem só pra comprar biquíni. Era muito pior. Felizmente inventaram os com bojo, só assim pra eu usar um biquíni sem me sentir muito mal por não ter quase nada.
Comecei a namorar e:

- não se encana com isso blablabla pra mim tá ótimo.
- e quem disse que é pra ti? É PRA MIM, PRA QUE EU ME SINTA BEM

Eu realmente achava que só me sentiria bem o dia em que eu tivesse dinheiro pra pagar uma cirurgia de implante de silicone "o dia em que eu for defensora vai ser a primeira coisa que vou fazer", pensava. Não sei se foi a ~maturidade~ chegando, eu me aprofundar cada vez mais em leituras feministas - e cada dia mais ter certeza do quanto somos menosprezadas pela sociedade - mas algo me deu um estalo e, cara, eu sou assim e tenho que me aceitar assim e e o mundo também. Minha mãe, que zoa comigo até hoje por eu não ter quase nada de peito, também não tem nada a ver.
Hoje eu vejo que por mais que eu não quisesse fazer pra agradar ao meu namorado e nem aos homens, com certeza era algo pra dar satisfação pra sociedade, afinal vemos um padrão de beleza estampado, jogado, esfregado na nossa cara e passa aquela ideia de "você tem que ser assim pra ser bonita" e hoje, com a facilidade de tratamentos estéticos (tem até consórcio pra cirurgia plástica!!), você só não se encaixa se não quiser..é mais ou menos essa a ideia, o que contribui para que nós, mulheres, continuemos alimentando essa indústria bilionária que se alimenta da nossa autoestima baixa.
Hoje eu descobri que posso andar confortavelmente sem sutiã  e sempre que a roupa  e o ambiente permitem, eu saio livre, leve e solta por aí. Não tenho problema com dor nas costas, e descobri que nem é tão difícil assim achar sutiãs que fiquem bem. As mulheres com seios fartos acabam tendo mais dificuldades pq é difícil achar os que dão a sustentação adequada e etc, contudo, a principal descoberta foi: cada uma tem sua beleza natural e única. Sejam peitos grandes, médios, pequenos, caídos, empinados. Não tenho vantagens por "não sentir dos nas costas" e nem desvantagens por "estar fora do padrão". Simplesmente eu sou eu e cada uma é cada uma, com suas individualidades, peculiaridades e corpos. Celebremos as belezas dos corpos.
Minha vida mudou depois que me aceitei, me sinto muito melhor, muito mais feliz, mais livre e leve.